Uma pessoa vai à baixa comprar papel de embrulho para um presente. Depois de muito trilhar por entre buracos, poças de água, lama, caos rodoviário e multidões de gente, encontra uma loja de tudo. Sim, daquelas do tipo das dos chineses, mas pior que as dos chineses.
Entramos e quando a porta se fechou atrás de nós, suspiramos de alívio com o ar condicionado a refrescar o corpo e olhamos espantadas para a parafernália de brinquedos, têxteis lar, material escritório, roupa, perucas e extensões, artigos para festas e mais mil e uma coisas que se possam imaginar, tudo pendurado no teto ou acomodado em prateleiras sobrelotadas e espalhado pelo chão.
Sinto que se der um passo inicio uma reacção em cadeia que pode provocar um cataclismo destruidor. Não vemos ninguém. E é então que somos dominadas pelo cheiro intenso a marisco. Eu e a minha amiga olhamos perplexas uma para a outra. “Cheira a marisco!?” – perguntamos em simultâneo.
Ouvimos uma voz, longínqua a dizer “Pode entrar.” Avançamos às cegas por entre a mercadoria e damos de caras com um balcão, onde por entre calculadoras, caixa registadora e mais sei lá o quê se encontra uma bacia de plástico, enorme, cheia de camarão cozido e várias folhas de jornal com montanhas de cascas. Tranquilas e empenhadas, duas mulheres agarradas a dois enormes camarões, perguntam o que desejamos, sem os largar.
“Queremos papel de embrulho”
“Procura aí do teu lado e vê qual queres” diz uma delas a chuchar uma cabeca de camarão com a máxima concentração.
Conseguimos encontrar o expositor. Os papéis eram todos pirosos mas lá se escolheu o menos mau. Estavam as folhas todas emaranhas e não conseguíamos tirar o que queríamos sem ajuda. Uma das mulheres, compreensiva, larga a cabeca de camarão e vem em nosso auxílio sem sequer limpar as mãos. Foi tão eficiente a agarrar as folhas que eu nem tive tempo de dizer “cuidado, vai ficar a cheirar a camarão”. Ainda teve a delicadeza de limpar subtilmente as mãos à parte de trás da folha, que enrolou muito direitinha e nos entregou. Mal ficou com as mãos livres atacou outro bicho e nunca mais o largou enquanto fez a conta, o troco e se despediu de nós.
Chegadas à rua, mal sentimos o choque de calor, barulho e cheiro a podre da cidade, suspiramos de alívio. Parecia que tínhamos vivido uma versão angolana das Crónicas de Narnia, onde em vez de um armário, tinhamos a loja a servir de portal entre mundos.
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