AMANHÃ É O MEU DIA!

Amanhã é o dia de todas as Mulheres e dos homens que gostam de mulheres e não têm medo delas. Eu não gosto muito de dias comemorativos disto e daquilo, nem de quotas e coisas que tais, mas gosto menos ainda de viver num mundo onde ser mulher ainda é ser menos, e portanto é preciso recorrer a estas estratégias para termos modelos e voz.
A descriminação das mulheres assume, nos mais diversos locais do mundo, as formais mais perversas e subtis. E sim, em Portugal e no mundo Ocidental também, com requintes de subtileza tais que muitos até pensam que a descriminação não existe mais e que o mundo é perfeito e justo. Não podiam estar mais enganados! Em lugares como onde eu vivo, no Quénia, a desigualdade é brutal e ser mulher é triste, penoso e de pouca valia. Mas para mim é sobretudo triste ver os movimentos feministas e os direitos efectivos das mulheres, a regredir, perigosamente, na parte do mundo onde alcançamos maior igualdade e poder e que servia de farol às mulheres de todo o lado. Ser feminista não está na moda. É ser muito radical, é não gostar de homens, afirmam alguns. Deixem-me contar um segredo: ser Feminista é gostar da Humanidade inteira, em harmonia. Porque a humanidade é constituída por Pessoas singulares, únicas e preciosas para o equilíbrio universal independente do sexo, do género, da orientação sexual, da cor da pele, da religião e demais diferenças menores que nos distinguem.
Ontem, a jantar em casa de uns amigos, aconteceu ver o noticiário da noite e deparei-me com uma forma de opressão, humilhação e desumanidade que despertou uma discussão acesa numa mesa com quenianos e europeus, homens e mulheres. A notícia era que muitos milhares de raparigas não vão à escola e sentem-se profundamente traumatizadas por causa da menstruação, tudo porque os pensos higiénicos (adiante a questão dos tampões que levanta aqui questões ainda mais complexas) são artigos de luxo, totalmente inacessíveis à maior parte da população, sobretudo nos meios rurais. Ora se a notícia em si já é chocante que chegue, mais chocante para mim foi a desvalorização e resignação de toda a gente. Numa sociedade como esta que preza tanto o caminho em direcção à modernidade, onde há restaurante, hotéis e centros comerciais super luxuosos e onde quase toda a gente, mesmo nos bairros de lata tem telemóveis de última geração, televisão e faz visitas regulares aos cibercafés, para mim é óbvio que a falta de solução para este problema se deve exclusivamente a uma questão de prioridades. É óbvio para mim que se os homens tivessem de passar pela menstruação e não tivessem acesso a todos os meios para tornar essa circunstância confortável, rapidamente mudariam este estado de coisas. Se as mulheres tivessem poder e voz e conhecessem a realidade do país em que vivem, esta seria uma prioridade natural. Que sentido faz criar programas de acesso universal ao ensino, quando uma grande parte da população está impedida de frequentar a escola por um motivo tão simples de resolver, sem que ninguém faça nada? Num contexto onde ser mulher é ser menos, é ser sujo, é ser fonte de todo o mal e onde elas aprendem desde que nascem que são totalmente subalternas aos homens, que não têm voz e que devem ter vergonha do próprio corpo e da sua condição, a falta de acesso a condições de higiene pessoal é apenas um reforço da sua inferioridade e uma humilhação, obrigando-as a sair da esfera pública porque estão “sujas” e a recolherem-se dos olhares dos outros como se tivessem lepra. É uma forma descarada de descriminação e de insensibilidade perante as necessidades da própria população por parte dos homens no poder.
A dada altura um amigo dizia-me “… mas olha que não fazem por mal!”. Pois, eu imagino que na maior parte das vezes não se trate de um plano concertado para manter as mulheres subjugadas, com vergonha delas próprias e sem estatuto social para além do de máquina de reprodução, em casos mais extremos. Não, o que acontece é que se são os homens a ter o poder e a não valorizar as mulheres elas tornam-se invisíveis e as suas necessidades e os seus direitos nunca são observados. É mais um caso de zarolhisse do que de má fé.
Por isso para mim ser Feminista não é uma circunstância, é uma condição enquanto ser humano perante a desigualdade absurda a que metade da humanidade sujeita a outra metade, com a melhor das intenções.
E não se iludam aqueles que de vocês estão a sorrir com este absurdo do Quénia, como se fosse uma anedota e longe, muito longe da nossa realidade, porque não nos faltam absurdos domésticos, mais ou menos subtis, de atentado à igualdade entre as Pessoas. Basta estarmos atentos.